FALCOARIA COM GAVIÃO BICOLOR

Falcoaria com Gavião Bicolor, partes I e II 

Jorge Sales Lisboa


Diário de treinamento de um bicolor em reabilitação pela ABFPAR, com licença para a captura das presas relatadas autorizada pelo IBAMA RJ.

Olá pessoal,
Terminei mais uma leitura e vou comentar com vocês os principais pontos do texto do Sr. Jorge Lisboa, um dos fundadores da ABFPAR e uma referência para a falcoaria Brasileira. Minha indicação de leitura foi a primeira parte do texto Falcoaria com Gavião Bicolor, mas ao entrar em contato com o Sr. Jorge para parabeniza-lo pelo seu texto, ele me mandou a segunda parte, e por isso antes de comentar sobre a primeira parte eu li a segunda e vou resumir ambas a seguir.

Falcoaria com Gavião Bicolor – parte I


Qualquer iniciante tem muitas dúvidas e curiosidades sobre o dia a dia do treinamento de uma ave de rapina, e este diário, nas suas duas partes, relata como foi o progresso de Luma, uma fêmea de Gavião bicolor imprintada,  de 8 meses de idade.

A forma didática de relatar o treinamento torna os dois textos leitura obrigatória para qualquer iniciante, independente de qual ave ele deseja ter no futuro, pois apesar de haver diferenças no treinamento de acordo com a espécie, este diário dá uma boa ideia de como é o dia a dia da ave, e os desafios e dificuldades que o falcoeiro encontrará.

O autor inicia o seu texto com uma descrição da ave, e já traz um importante ponto para os iniciantes, a questão do controle de peso. Lembro que uma das minhas primeiras dúvidas quando comecei a estudar falcoaria era quanto uma ave de rapina comia. Bem, este tema de alimentação e controle de peso será visto com mais detalhes em um post próprio, mas já adianto que a quantidade de alimento varia de acordo com o tipo de carne a ser ofertado (carne mais ou menos calórica), e com o peso que você deseja que sua ave tenha. Ao treinar uma ave de rapina o controle de peso é um dos pontos mais importantes, pois você tem que diariamente pesar a sua ave e determinar qual é o seu peso adequado para cada fase do treinamento. No caso de Luma, a bicolor do texto, o autor ao comentar qual era o seu peso ideal para caça, demonstra como a sua variação provocava mudanças comportamentais nela:


“Luma é uma fêmea de Accipiter bicolor imprintada, pesa em torno de 344 gramas, peso que considero ideal para caça, com um peso mais alto (370g) a ave demonstra interesse em caçar presas mais fáceis, com um peso mais baixo (334 g) ela ataca quase todas as presas que surjam, mas em compensação torna-se muito independente interessada apenas em caçar, muitas vezes não obedecendo a chamada do cetrero.”

“Um bom controle de peso que talvez seja uma das partes mais difíceis no treinamento da ave. Conseguir-se um bom controle de peso é complicado devido ao metabolismo muito rápido desta ave, se baixarmos demais podemos perdê-la se aumentamos muito o peso a ave não responde. Na dúvida pequemos pôr excesso, mas não pôr defeito. Eu normalmente peso a ave antes, peso a ração e peso a ave após ter se alimentado”

De forma muito didática, o autor descreve os principais materiais para realizar falcoaria com os accipiters:

Jesses e braceletes almery; 2 elásticos no modelo árabe que são colocados entre as jesses e a leash para absorver choques, quizos (cauda e tarsos), jesses de campo, alcandara, poleiro em arco com 40cm de comprimento e 30 de altura com inclinação de 45 graus e protetor de calda.

Alimentação
O autor descreve como alimentava a sua ave nos primeiros dias quando ainda filhote, com carne de codorna, pardais ou rolinhas, utilizando sempre o fígado e parte do peitoral. Depois de alguns dias a ave era alimentada com pedaços da ave, incluindo pedaços de ossos. A oferta da alimentação completa é essencial para que a ave receba todas as vitaminas e evite doenças.

Recinto e banho de sol
Luma ficava dentro de uma banheira plástica forrada com astroturf (um tipo de grama artificial que evita lesões nas patas da ave), e esta banheira ficava dentro de uma caixa de papelão, para evitar sujeira. A exposição ao sol só era possível no início da manhã porque o bicolor é muito sensível ao calor excessivo.

Equipamentos
Só quando o filhote já estava com a plumagem praticamente completa é que foram colocados os braceletes e jesses. Quando a ave já não fica mais dentro da caixa, aí sim é o momento de colocar o destorcedor, a leash e atrelar a ave no poleiro em arco para tomar sol e na alcandara no restante do tempo.

Primeiros voos
Com a plumagem completa o autor utiliza um quarto grande e vazio, o qual é chamado de muda, com uma alcandara grande de dois metros e meio de comprimento por 1,10cm de altura e com alguns poleiros afixados na parede. A ave fica solta neste recinto podendo voar livremente e exercitar a sua musculatura. Depois de algumas semanas se inicia a alimentação sobre o punho.

Treinamento
  • a)       Comer sobre o punho – a ave começa a relacionar a luva como uma presa, criando um vínculo muito grande. Começa com o tempo a desenvolver uma agressividade excessiva com a luva, causando problemas no treinamento.
  • b)       Saltos e voos ao punho dentro de casa – a ave aceita saltar ao punho com facilidade já que desenvolveu um vínculo com a luva. Assim que a ave salta é necessário dar um silvo no apito para que ela associe este som ao alimento.
  • c)       Passeios: com a ave no punho primeiro é mostrada a ela o mundo exterior por uma porta, enquanto ela come. Depois de alguns dias o autor caminha com a ave em punho enquanto ela come. As caminhadas vão se tornando maiores até ir ao local onde se pretende voar ela livre.
  • d)       Voos ao punho fora de casa: ideal realiza-los em um campo de futebol ou parque não muito movimentado. A ave foi colocada sobre um poleiro baixo, e presa à um fiador, foi chamada ao punho com o apito, e ela foi rapidamente à luva devido ao seu enorme vínculo com ela. “Quando a ave vier ao seu punho você deve ficar de perfil e com a luva ao alto, nunca fique de frente para a ave ou com o punho abaixo, pode ocorrer do bicolor sentir-se ameaçado, achando que você quer disputar seu alimento (a luva) e atacar o falcoeiro no rosto. Uma vez que a ave esteja voando uns 60 metros no fiador, começaremos com os vôos nos locais onde pretendemos caçar.”
  • e)       Voos no campo: a agressividade do bicolor com a luva se torna um grande problema, ela possui um vínculo excessivo e portanto exige uma série de cuidados para que a ave comece a caçar.
  • f)        Introdução ao lure: Introduzir um Accipiter na isca é fácil, usei o método tradicional, com pedaços grandes na isca, alternando dias de grandes recompensas sobre a isca, com outros dias de comida sobre o punho com pouca comida.

Um ponto muito importante sobre o treinamento do lure é ensinar a ave que o falcoeiro não é um adversário e não irá roubar a sua comida. Caso isso não aconteça a ave irá depender a sua presa (que neste caso é um pedaço de alimento preso ao lure) e tentará carrega-lo para longe do falcoeiro. A forma de evitar isso é fazer como o autor descreve no texto:

“Importante nesta fase é quando a ave estiver sobre a isca, circundar em volta da ave batendo a luva no corpo e agachando-se vez ou outra oferecendo-se pequenos pedaços de carne, neste momento também passaremos as pernas sobre a ave sem tocá-la, isto tudo para que se acostume com movimento e não carregue.”

Quando a ave começa a responder de imediato no lure é o momento de começar com o voo livre.

  • g)       Voo livre: primeiro deve-se tirar o destorcedor e o elático, e também a leash, deixando a ave apenas com as jesses de campo. São feitos dois voos ao lure por dia no máximo, com a ave partindo de árvores baixas. Mais uma vez o vínculo excessivo com a luva é um problema, pois a ave se recusa a voar do punho para a árvore tal o seu vínculo com a luva.
  • h)       Escapes: os escapes são uma forma de preparar a ave para a caça, e só podem ser realizados após uma boa resposta ao lure. Mais uma vez houve problemas por causa do seu vínculo com a luva:

 “O vinculo da rapinante com a luva é tão grande, que ele não ataca o escape, simplesmente não entende, deve pensar, se eu tenho comida (a luva) sobre minhas garras porque tentar pegar outra que está longe.”

A forma de amenizar o problema foi colocar a ave em um poleiro em  T, aproximar de uma árvore e desequilibrá-la até que ela passasse para a árvore, o que acontecia tranquilamente já que ela não tinha vínculo com o poleiro. Da árvore eram feitos voos ao lure e posteriormente mais escapes.

  • i)         Caça real: Como o accipiter bicolor  pode predar diversos tipos de aves, aplicando técnicas distintas para cada uma, o autor descreve com detalhes como foi a caça de variadas espécies: pombos, corujas, anus-branco e preto, pica pau do campo, aves aquáticas (frangos d´água, Savacus e socozinho) e pequenas aves, além de pequenos roedores.


A importância do estudo é destacada na primeira parte do texto, e é o motivo das mudanças de comportamento de Luma na sua segunda parte.  Após a aquisição do livro AVES DE PRESA DE BAJO VUELO, que é a versão castelhana do IMPRINT ACCIPITER, do autor Michael Mc Dermott, o autor começou a aplicar as técnicas descritas pelo Michael McDermott e o comportamento de Luma melhorou muito.

“o autor Michael Mc Dermott, verdadeiro especialista no imprint de Accipiters nos explica grandemente o motivo de vários comportamentos que os Accipiters demonstram, que anteriormente eu achava normal como agressividade, territorialidade, etc. E o que é mais importante como abolir estes comportamentos, fazendo com que tenhamos uma ave dócil, mas excelente caçadora. Como este método só pode ser aplicado com aves criadas desde filhote, não pude aplicá-lo totalmente no meu Accipiter fêmea, mas alguns ensinamentos que apliquei, percebi uma notável melhora no que diz respeito a agressividade e respostas quando chamada. Sua saída em direção as presas também aumentou muito, saindo com mais facilidade do punho.”

O autor finaliza a primeira parte do seu texto enfatizando que :

“Accipiters não são aves para iniciantes, e um dos erros que os iniciantes cometem é considerar os Accipiters como outros Accipitridae usados em falcoaria. Não são. Nenhum Accipitrídae exterioriza seus comportamentos negativos como os Accipiters fazem, sendo assim, estas aves nas mãos de um cetrero experiente resulta numa ave com grande potencial de caça, nas mãos de um novato estas aves se convertem em aves de difícil domínio e algumas vezes perigosas para o cetrero ou outras pessoas.”

Importante sempre lembrar que a escolha da espécie de rapinante não pode ser motivada pela emoção, do tipo eu acho essa ave linda, ou pelo seu tamanho. A responsabilidade em ser um bom falcoeiro começa na escolha da ave correta para seu nível de conhecimento, para o tipo de campo disponível, entre outros fatores. Antes de pensar em adquirir uma ave procure ajuda, associe-se à ABFPAR, faça cursos, estude e procure um tutor. Nunca compre uma ave sem este preparo prévio, não apenas pelo o seu bem, mas especialmente pelo bem da ave.

Falcoaria com Gavião Bicolor – parte II


Na segunda parte do diário de Luma, no seu segundo ano de vida, é relatado o seu treinamento, mas o mais importante: a sua mudança radical de comportamento, para o melhor!

Saindo da muda as cores de Luma mudaram, mas o que realmente mudou foi sua forma de agir, especialmente em relação à luva. Estas mudanças ocorreram ao serem aplicadas algumas técnicas do falcoeiro Michael Mc Dermott, descritas no livro Aves de Presa de Bajo Vuelo.  As mudanças no treinamento foram:
  • a)       Não alimentar mais a ave sobre o punho, e com isso foi abolida a sua agressividade perante ao falcoeiro e que a ave achasse a luva apenas mais um poleiro.
  • b)       Alimentação apenas sobre o lure, e com pedaços muito pequenos de carne. Desta forma: “com pouco alimento sobre a isca a rapinante não cria uma relação de posse para a isca e posteriormente o vício de carregar e fica mais tenaz nas perseguições das presas e não se ressente, podendo chamá-la umas 20 vezes sem que perdesse o interesse.”
  • c)       Não foram feitos voo ao punho para receber alimento, apenas voos à isca para este fim
  • d)       O peso do voo pode ser reduzido para entre 335 a 338g, devido a melhoria de comportamento, causando uma agressividade e tenacidade maios para atacar as presas, e uma resposta melhor ao lure.
  • e)       Aceita o toque nas garras e enquanto come sobre o lure.


A seguir o texto traz um diário das capturas de Luma, com muitos detalhes, pela sua leitura é possível perceber o enorme potencial desta espécie. O autor relata que o bicolor é uma ave excelente para o trabalho de controle nos aeroportos, pois captura muito bem as espécies Vanelus, Nictanassa e Nicticorax, que são as que mais problemas causam nos aeroportos.

Infelizmente Luma morreu por Aspergilosis, e foi uma grande perda já que era um accipiter com 340 gramas e capaz de capturar presas com o dobro do seu peso. O autor termina o seu texto agradecendo ao método Mc Dermott.

Com certeza após a leitura destes textos fica claro como é o dia a dia no campo, as fases de treinamento e os desafios encontrados pelo falcoeiro. E acima de tudo demonstra como a leitura continua sendo importante, mesmo quando já se tem conhecimento e prática, pois sempre podemos aprender mais e melhorar o treinamento da ave, o que refletirá no seu comportamento e no seu sucesso.

Referências:

LISBOA, Jorge Sales. Falcoaria com gavião bicolor parte I e II. Textos publicados nos boletins Abfpar, na revista de falcoaria dos USA American Falconry, na revista de falcoaria da Espanha Alcandara, e no boletim mexicano RAPAZ.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Novidade!

International Owl Awareness Day

V ocês sabiam que hoje é uma data muito especial para as corujas? Hoje é o dia internacional da Consciência sobre as corujas, chamado em ing...